Nas últimas semanas, pude acompanhar algumas de uma enxurrada de lives e webinares sobre saúde mental. Ao cabo, fiquei em dúvida se os conceitos estão claros e se o que tem sido discutido reflete, de verdade, a abrangência do tema. Uma pesquisa recente, feita por uma consultoria de benefícios, revelou que 46% das empresas oferecem algum tipo de ação em saúde mental, sendo as mais populares citadas, a realização de massagens, salas de descompressão, serviços de EAP, aulas de meditação, coaching de saúde e psicólogo in company.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a saúde mental é um “estado de bem-estar em que as pessoas realizam suas capacidades, conseguem lidar com o stress normal da vida, pode produzir de maneira produtiva e fértil e conseguem contribuir com a sua comunidade”. Deste modo, trata-se de um conceito positivo, e de acordo com o National Wellness Institute (NWI) envolve o senso de propósito, bons relacionamentos, conexão com as outras pessoas e o planeta, a apreciação da vida e a autoestima e não apenas a ausência de doença mental. Ela deve interagir com as outras dimensões do bem-estar (físico, social, espiritual, profissional, financeiro), onde o “o todo é maior do que a soma das partes”. Ela envolve um processo consciente de desenvolvimento pessoal, incluindo a descoberta pessoal do propósito de vida.
Há alguns anos foi proposta uma definição mais ampla de saúde mental que seria “um estado dinâmico de equilíbrio interno que possibilita às pessoas o uso de suas habilidades em harmonia com os valores universais da sociedade. Conhecimentos cognitivos e sociais, capacidade de reconhecer, expressar e modular suas próprias emoções, assim como ter empatia com os outros, flexibilidade e capacidade de lidar com os eventos adversos da vida e com a sua função nos diferentes papéis sociais assim como a relação harmônica entre corpo e mente seriam componentes importantes da saúde mental que podem contribuir para o estado de equilíbrio interno.
Por outro lado, de acordo com a Associação Psiquiátrica Americana (APA) a doença mental envolve as condições em que há mudanças no comportamento, nas emoções ou no pensamento (ou a combinação delas) das pessoas. Elas podem ser leves e trazer poucas limitações, mas outras precisam de tratamento especializado, medicação e, às vezes, internação. Estas condições são tratáveis, mas precisam ser abordadas, tratadas e acompanhadas pelo sistema de saúde.
Muitas vezes, observamos as pessoas apresentando as estatísticas sobre adoecimento mental (algumas catastróficas) como justificativa para ações para a promoção da saúde emocional. Sugerem que atividades realizadas pela empresa, de caráter motivacional, integrativo ou educacional poderiam interferir nas taxas de doença mental.
Acredito que esta distinção (conceitual) é fundamental para que se faça o diagnóstico situacional (individual e coletivo) adequado, para que se realize o planejamento aplicado à necessidade observada e se estabeleçam metas realistas e alinhadas ao objetivo estabelecido. Caso a meta se o cuidado adequado das condições mentais e o seu impacto (absenteísmo, presenteísmo, produtividade, uso excessivo do sistema de saúde, etc) certamente o primeiro passo é a identificação dos casos na população-alvo, realizar o diagnóstico adequado e a construção de linhas de cuidado.
Quando se fala na abordagem do adoecimento mental, é importante considerar-se que, realmente, as condições do ambiente de trabalho podem agravar algumas condições, mas não são geradoras de doença mental. Neste contexto, é importante que os serviços de saúde das empresas busquem realizar o rastreamento adequado de tais condições. Elas podem ser feitas nos exames periódicos de saúde ou através de indicadores de utilização do sistema. É importante lançar mão de instrumentos diagnósticos (questionários) validados para utilização na língua portuguesa e construir linhas de cuidado que envolvam a rede assistencial (médicos, psicólogos) do plano de saúde, incluindo as clínicas de atenção ambulatorial e os hospitais. Além disso, o acesso a tratamentos efetivos é importante, assim como o seu monitoramento para acompanhar a adesão dos pacientes.
É importante ressaltar que os distúrbios de humor (depressão), de ansiedade, além das outras condições mentais não são resolvidos somente com ações no ambiente de trabalho, mas exige-se uma abordagem mais ampla que deve envolver o sistema de saúde e a linha de cuidado em que a pessoa deve ser inserida.
Assim, continua muito atual a lição de Lewis Carroll no livro “Alice no País das Maravilhas” em que a Alice dizia não saber que caminho seguir ou para onde ir e o gato Cheshire replicou que, neste caso, “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”.
Alberto Ogata, presidente da Associação Internacional de Promoção de Saúde no Ambiente de Trabalho (IAWHP). É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação